quarta-feira, dezembro 12, 2018

fazes falta

tenho tantas saudades tua pai.
fazes me falta na vida, nos meus passos, nas minhas decisões.
fazes me falta nos meus choros.
nem sei como consigo viver nesta solidão,  nesta planície nua de ti.
fazes me tanta falta, quando olho para o João, quando olho para a Leonor.
porque lhes fazes falta.
somos órfãos de ti.

terça-feira, novembro 06, 2018

ser filha

o tempo foi passando e chegaram os 10 anos em que o meu pai morreu.
ele foi, nós ficamos.
uns melhor,outros assim a assim,outros sei lá como.
eu? sei lá como fiquei. fui ao fundo,fiquei por lá muito tempo e vim à tona várias vezes.
os ciclos de vida e da vida assim me fizeram.mergulhar,respirar,mergulhar e planar tipo boiar.
de todos nós, ela foi a que não ficou nada.
ou ficou tudo.
ficou abandonada,sózinha,sem emoção,sem nada.
o nada com tudo,o nada com todos,o nada que existia.
10 anos sem nada.tudo muito pela rama,tudo muito sem sabor,tudo sem vontade.
e se nada existia,o pouco que ainda podia ser a bóia para sobreviver foi-se indo até quase desaparecer.
é da idade.é assim que começa.é assim que vai acontecer.
ela deixou de estar atenta,deixou de nos ouvir,deixou de nos ver,porque assim procurou para ter o nada.
já nada interessa e nós,que orfãos há 10 anos,não importamos.
olho-a e enraiveço-me por mim e por ela.por ter desistido de lutar e sempre me arrastar nesta derrota.
olho-a e sofro de tristeza,pela tristeza infinita nos olhos azuis,pelo desencanto de 10 anos.
vejo-a perder-se de mãos livres sem olhar a nada.
mas somos nós,os orfãos que a perdemos.
o tempo está a passar e a dor da perda de há 10 anos, que não passa,vem juntar-se à dor da perda da mãe que sempre achamos que não se ia perder.

domingo, junho 17, 2018

ser esponja

sou uma esponja.
viver assim rodeada de pessoas,de gente que me entra no coração provocou em mim o efeito esponja.
não quero e por vezes não posso,mas o que eles olham,o que eles sentem,o que eles vivem,passa por mim e eu absorvo.
o bem, as boas coisas,os sorrisos e gargalhas são alimentos esponjosos que me fazem adormecer em sonhos.
mas o que magoa,o que os faz sofrer, entram na esponja e endurecem-me.
fico sem saber o que posso fazer,porque por vezes e tantas são elas,nada posso desenhar para mudar,para atenuar,para resolver.
a vida dos outros,das outras,da gente que me entra no coração, é a vida
eu sou só a esponja.

sábado, maio 05, 2018

fantasmas de mim

escrever por escrever nem sempre me apetece.
mas faz me mal não o fazer.faz-me esquecer o que me leva a caminhar neste caminho.
ao longo do tempo sempre achei que não me havia de preocupar com a velhice.
sempre não o quis fazer.
mas começo a interiorizar o que o exterior me mostra e não gosto.
as rugas começam a mostrar se, não só as que marcam os risos da vida,mas as que mostram as tristezas de mortes,as preocupações que se avistam com o crescimento dos meus filhos, as que me vincam no medo de perder a vida que sempre tive.
o corpo já se vai ressentindo,não acompanha o que por vezes desejo e quero,e sem querer o corpo está a abafar a mente que sempre achei que ficava nova.
penso e nem sempre gosto do que penso.
sinto a diferença e principalmente sinto o tempo passar e a chegar a tempos que ainda há tão pouco achei distantes.
o meio século, que achava um número feliz de se fazer,de se ter, de se ter vivido, tornou se um fantasma assustador,um fantasma avassalador,um fantasma que me aspira para um redopio que apenas pressinto.
estou assustada por mim, pelo meu corpo,pelo meu pensamento.
afinal não quero continuar a crescer,

quarta-feira, janeiro 31, 2018

maternidade

nunca brinquei com bonecas.
nem me lembro de as ter, apesar de me dizerem que as tive.
lembro-me dos carros que o meu pai me trazia,de correr e saltar, de andar pelos muros.
depois vieram os livros.mas não gostava de histórias de fadas e muito menos de bonecas.
os nenucos,quase que pequenos monstros ainda apareceram mas nunca lhes liguei.
gostava das barriguitas pretas.só das pretas porque não eram parecidas com os meninos e meninas que conhecia.
e sem bonecas,cresci até eu própria ser a boneca do bolo.
a boneca de branco,cor de pele que eu nem gostava e a pele até podia ter sido outra.
casei.e logo vieram as perguntas,os comentários:e filhos,tudo se cria,é uma benção,é para isso que se cresce.
ok.
quando o meu filho nasceu foi um carrocel descontrolado de tudo.não queria estar grávida, e ele nasceu tão depressa que nem deu tempo de preparar tudo como as perguntas e os comentários diziam.
e de repente estava ele ali,ao meu lado e eu sem perceber como era .como vestir,como pegar,como olhar.
desconfiada olhei para o meu braço que o amparava e ele ali estava:minúsculo,magrito,sem sobrancelhas, quase sem cabelo e de olhos fechados.
mas foi o nariz,o nariz que me fez apaixonar e ser mãe naquele momento de solidão que tivemos.
sózinhos ainda estávamos ligados, e ele empinou o nariz para me dizer:gostas de bonecas?não,mas agora eu estou aqui e tens de brincar comigo.
brincar foi o viver todos aqueles momentos que posso esquecer em palavras e em imagens,mas que sinto embrulhados em mim
foi a maternidade.foi aquilo que nunca mais me deixou ser só eu,e passou a ser nós.
quando a leonor, a filha ansiada por mim,mais do que a mim própria surgiu, a maternidade já cá andava,mas foi a magia que me encantou:era eu em sonhos que ali estava,era a boneca que eu nunca tinha tido,nem gostado,era a barriguita rosada.
se tivesse falado,sei o que me teria dito,gosto de ti, mãe.gosto de ti e quero abraçar-te.
depois cantaria para mim,para me embalar a dor física que esqueci na paixão que ali nasceu.
foi a maternidade.foi aquilo que nunca mais me deixou ser só eu,e passou a ser nós.
duas vezes instalada em mim,duas vezes é para sempre,para a vida.
o tempo passou, as noites nunca mais foram iguais,ainda hoje,passados 21 anos de um, 17 de outro,nunca mais foram de sono leve de ouvir a respiração, as voltas na cama,as vozes que sempre falaram no sussurro das noites.
nunca mais foram.assim como os dias.prendem-me sempre, por momentos,por eternos momentos,por silêncios,por sonoridades,prendem-me porque a maternidade está ali.
não se explica,não se pinta,não se canta,não se escreve.está ali.
mas o tempo continua num tic tac obsoleto descritivo e ora corre ora caminha devagar e de repente dou por mim a perder a maternidade.
fiquei incrédula comigo.eu?maternidade a perder-se?não quero,não pode ser.
sim.
percebo que outra coisa,outro sentimento,outro quê,outro olhar,outro pensar vai aparecendo e percebo que me divorcio dos meus nós,dos meus eu e ele,dos meus eu e ela.
a alegria da maternidade está a entristecer-me.parece nua e transparente porque não tem cor.
talvez seja assim.talvez agora tenha de parar a maternidade de nós, esperando pela maternidade deles.
de repente pareceu-me isso:por entre sonhos da minha maternidade,vi-me a sentir outras maternidades que serão minhas,mas o nós será deles.
 ...não está a ser fácil...

quinta-feira, janeiro 18, 2018

O frio de morte

está frio.
sinto-o a envolver-me e não me deixa aquecer.
sempre fui assim.de frio,de muito frio,de interiorizar o frio.
mas este é diferente.
o tempo aliou-se ao frio e a vida desmembrada tornou-se acha gelada.
e sinto me assustada com este frio.
olho ao redor e vejo-o a aproximar-se de mim.
fecho os olhos e o gelo esfaqueia-me o peito.
e não consigo aquecer.
na verdade, sinto a morte.
morte do corpo, ao longe,que me acena por vezes e eu finjo que não vejo
morte do meu ser,em que a vejo irónica a tapar os olhos,os ouvidos, a boca...deixa de ser.morre.
morte do sentir, como a vejo gracejar de mim.como a vejo aqui tão perto a destruir-me o que não julgo ter, a alma que me faz amar,a alma que me faz sentir paixão. a alma.
é este o frio.
este frio que nasce todos os dias.
que me apanhou de surpresa.
o frio que nunca imaginei sentir.para já.
ainda é cedo.
está frio.